Textos


 JORGE AMADO FALA SOBRE A RELIGIÃO DE MATRIZ AFRICANA

“A.R. - Como você vê o papel dos candomblés e da religião hoje em dia?  Como eles se encaixam dentro da situação vivida de uma forma tão contemporânea, com todos os problemas que existem no contexto da “luta do povo” e da luta dos negros?...
J.A. – É uma pergunta vasta, importante, complicada. Vou pelo menos tentar dizer o que penso. No que se refere ao candomblé, acho que ele ainda é extremamente positivo – e, quando digo candomblé, não me refiro somente ao culto, mas à própria religião africana como negra, como parte importante e fundamental em toda a cultura negra do Brasil. O candomblé teve um papel importantíssimo na luta dos negros contra a escravidão. Ela começou no dia em que desembarcou no Brasil o primeiro negro e continuou após a Abolição (oficialmente decretada em 1888) como uma afirmação de seus valores culturais e de sua importância fundamental na forma da nacionalidade brasileira.
Bem. No passado, a importância do candomblé não está sequer sujeita a discussão: foi importante na luta contra as forças reacionárias, obscurantistas, racistas e escravagistas, e de muitas forças, inclusive como força cultural engajada e ativa.
Quanto as teorias racistas dominam grande parte da intelectualidade brasileira, numa afirmação de pseudociência, com quartel-general na Faculdade de Medicina da Bahia, cheia de doutores verbais, literatos, retóricos, dissimulando uma pseudociência reacionária sob esta retórica e esta verborréia, sob esta má literatura – eis um dos temas do meu livro Tenda dos Milagres, quando as idéias de Gobineau, que foi embaixador no Rio na época do Império, exerceram tanta influência quanto a sua teoria sobre a inferioridade dos negros, que foi o cavalo de batalha, aliás, de uma grande parte da Escola de Medicina da Bahia – incluindo Nina Rodrigues, um homem  que tinha profundo conhecimento da vida dos negros, mas que era racista, um racista mulato, fenômeno freqüente naquela época, em que os mulatos que subiam a escala social encarnavam preconceitos racistas muito acentuados –, o candomblé teve aí um papel de primeira importância na luta contra este estado de coisas. Os negros, apoiando-se em seus deuses, aqueles que eles trouxeram da África, e que aqui eram transformados e se misturavam com as imagens católicas, mas que persistiam. Isto é verdade até os dias de hoje.
O conceito marxista de religião, ópio do povo, é a meu ver de uma infinita tolice, terrivelmente sectário. A religião representou uma força revolucionária imensa, porque era diferente. Aliás, quando os partidos comunistas falavam do ópio do povo, também eles defendiam as suas próprias posições de capela, é seita contra seita!... Eu até acrescentaria que a Igreja Católica não é uniforme, hoje em dia ela está dividida. Atualmente temos no Brasil uma Igreja tradicionalista, conservadora, ao lado de uma Igreja extremamente progressista, eu até diria revolucionária: sob certos aspectos, é ela que neste momento impele as reivindicações sociais, sobretudo no meio rural, com as comunidades eclesiais de base, que são a vanguarda na luta contra um regime econômico retrógrado e ainda latifundiário em grande parte do país.
Mas acho que ainda hoje o candomblé é extremamente positivo. Por quê? Porque é uma religião popular, completamente independente de qualquer vínculo que pressupunha uma base reacionária, como é o caso do catolicismo, onde ainda uma grande parte da Igreja se posiciona com o partido dos ricos contra os pobres... Acho até que hoje é um grande apoio para os pobres este contato com os deuses. Além do mais, o candomblé é uma religião alegre, que não esmaga as pessoas; o pecado não existe, nem a noção de pecado. É vida, é alegria. Os deuses vêm dançar, cantar e dançar com os homens que dançam e cantam juntos. Acho isto muito positivo. ”

Fonte: Conversando com Jorge Amado, págs 82 a 84. Alice Raillard

(...) “A.R. – Eu achava que era principalmente uma religião do sul do Brasil, das grandes cidades  como Rio e São Paulo...
J.A. – Ela realmente apareceu principalmente no Sul. Desenvolveu-se bastante nestes grandes centros, porque é resultante das diversas influências que se encontram a se misturaram. A umbanda é uma mescla do candomblé com outros elementos: elementos do espiritismo e de outros segmentos religiosos que existem no Brasil, dentre os quais a influência indígena tem a mesma importância e o mesmo peso que a influência africana. Na Bahia, mesmo nos candomblés de caboclo, a influência africana é a predominante, enquanto na umbanda as entidades indígenas têm um grande espaço – os espíritos de caboclos, os pretos velhos etc.
                Acrescente-se a isto que no Brasil o próprio candomblé afastou-se relativamente de sua origem africana: as diferenças são enormes entre as religiões fetichistas africanas e as afro-brasileiras. Na África estas religiões persistem: o culto de Xangô em uma região, o de Oxun em outra... As diferenças entre os rituais, entre os deuses das diversas tribos, são grandes, inclusive quanto à língua falada.
                Aqui no Brasil tudo se misturou. A primeira mistura foi                entre as próprias tribos. Quando os donos da terra iam ao mercado para comprar negros chegados em navios negreiros, preocupavam-se em primeiro lugar, corretamente a seu ver, em não comprar escravos provindos da mesma “nação”, da mesma tribo, ou da mesma região da África. Não compravam um contingente de escravos provenientes da Angola ou Congo; compravam um angolês, um keto, um congolês, compravam negros de origens, línguas, costumes e deuses diferentes. Isto porque queriam evitar que se formassem núcleos familiares ou tribais, e que estes se tornassem centros de resistência, apoiando-se em costumes, hábitos ou mesmo em língua comum. Assim, a primeira grande mescla foi a das tribos crenças, culturas e deuses das diversas regiões africanas que fornecem escravos ao Brasil. E embora hoje se constate que aqui uma presença mais marcante, culturalmente falando, dos ketos da Bahia, dos jejes no Maranhão, dos congoleses em Pernambuco etc., desde aqueles tempos todos começaram a se misturar. Antes mesmo de surgir um sincretismo com o catolicismo, houve uma mistura das diferentes “nações”, como dizemos aqui. Hoje a palavra adquiriu um sentido religioso – “você é da nação angola”... – mas, em sua origem o termo era tribal. Esta primeira mistura fez com que o candomblé no Brasil tivesse logo o início começado a se afastar do africano, apesar dos valores fundamentalmente idênticos – os deuses e seu significado, uma determinada mitologia. A mitologia do candomblé é diversificada, também imprecisa, e, às vezes, até contraditória; pois tudo era oral e por muito tempo continuou a ser transmitido oralmente.
                Eu me lembro de um professor de ioruba na Bahia em certa época – havíamos conseguido que universidade criasse uma cadeira de ioruba e que trouxesse um professor de fora. Ele me dizia que as palavras haviam adquirido outros significados; que aqui eram usadas palavras que haviam desaparecido totalmente na África. E outras diferenças muito mais radicais: ele me ensinou, por exemplo, que o culto de Óxossi havia desaparecido – Óxossi, um dos orixás mais importantes, o rei de Keto e do Dahoney –, na África, o culto a ele pura e simplesmente desaparecera! Fundira-se no culto a Ogum. O mesmo se deu com a tradição de Iemnajá, cujo culto no Brasil tem enorme popularidade, a ponto de quase ter se transformado  numa religião independente: na África ela também deixou de existir, substituindo somente Oxum, a divindade do rio Oxum. As diferenças são realmente enormes.
                Há pouco tempo, houve uma tentativa, por parte de algumas pessoas, de fazer o candomblé voltar ao que fora em suas origens, a fim de restituir-lhe a identidade africana, e principalmente na nação Keto – (nação nagô em irouba), isto à custa de sua identidade brasileira –, o que, a meu ver, é uma posição racista em relação à questão negra: é um racismo negro. Essa gente tomou várias atitudes a este respeito, e tiveram até a idéia absurda de negar o sincretismo; como se o sincretismo fosse algo instituído de repente, e que pudesse ser suprimido porque assim havia sido decidido. O sincretismo nasceu da própria necessidade dos negros, a fim de poderem conservar seus deuses, fazê-los fundirem-se com a religião católica. Ela nasceu de uma situação histórica precisa. Menininha de Gantois dizia-me há alguns anos: foram os negros que o impuseram para defenderem a existência de seus deuses diante da repressão da sociedade branca escravagista.
                Portanto, antes mesmo de existir o sincretismo com o catolicismo, existiu este outro sincretismo, a mescla das raças religiosas. Em seguida veio o sincretismo com o catolicismo e, mais tarde, com as tradições indígenas, os caboclos – as entidades indígenas apareceram –, e isto deu, no Brasil, origem ao candomblé de caboclo, a forma mais brasileira do candomblé, a mais misturada, a mais sincrética e a maior em termos numéricos. Aqui na Bahia os candomblés jeje-nagôs são um número relativamente reduzido, os jejes puros são raros – três ou quatro –, e mesmo os nagôs são misturados; o candomblé de Angola puro praticamente não existe; a grande maioria é candomblé de caboclo. Não sei quantos há hoje na Bahia; alguns anos atrás havia mais de mil e duzentos, desde os candomblés que têm um grande calendário de atividades até os que “batem” uma vez por ano; mas, destes mil e duzentos, creio que oitocentos são de caboclo.
                Então, com sequer foi possível terem tido a idéia de proclamar o fim do sincretismo... Que bobagem! Não se pode decretar o fim das coisas. Os generais também decretam o fim de não sei quantas coisas, só o fim do Partido Comunista foi decretado um número incalculável de vezes, e absolutamente nada acabou. O sincretismo muito menos. Há um exemplo incrível: Pierre Verger, que é um grande sábio, um homem admirável...” (...)

Fonte: Conversando com Jorge Amado, págs. 87 a 90. Alice Raillard.
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A exigência da ação afirmativa

“Ao adotar uma estratégia de ação afirmativa, é necessário que esta seja acompanhada de medidas paralelas de combate ao racismo. Do contrário, arrisca-se a implementar programas voltados somente para os efeitos e não para causas e a natureza histórica das fontes de desigualdades raciais. Para chegar à melhor expectativa de resolução possível, preconiza-se que tais programas sejam formulados com base em um diagnóstico tanto dos efeitos do racismo como das suas causas específicas. Entre as causas, há que destacar o menosprezo racial como também a falta de uma justa consideração do valor da história e da cultura dos negros. Ambas representam uma privação fundamental que tem influência crucial na determinação das condições materiais e da qualidade de vida da população afro-descendente.”
Com efeito, sem desconsiderar o peso das desigualdades econômicas e sociais, é preciso compreender que a desvalorização da história e da cultura de origem africana e a depreciação pela mídia da imagem dos afro-descendentes constituem um dano moral, uma denegação de reconhecimento igualitário. Esse duplo menosprezo pode despertar em certas pessoas o ódio a si mesmas, bem como a tortura de uma baixa auto-estima, concorrendo, ao lado das desigualdades sócio-econômicas, para fixar a população afro-descendente no patamar inferior da escala social. Tanto no plano individual como no coletivo, a natureza substancial da falta de igual consideração e de reconhecimento adequado de sua imagem e das particularidades históricas e culturais contribuem para diminuir as liberdades, as oportunidades, as potencialidades, assim como para reduzir as possibilidades de acesso à riqueza e ao poder.”

Fonte: Proposta Nº 96 Março/Maio de 2003, pág. 42,43.
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Democracia e Cidadania
(trechos do texto Democracia e cidadania, de fevereiro de 1997)

São cinco os princípios da democracia, são cinco e juntos totalmente suficientes. Cada um separado já é uma revolução. Pensar a liberdade, o que acontece em sua falta e o que se pode fazer com sua presença. A igualdade, o direito de absolutamente todos e a luta sem fim para que seja realidade. E assim o poder da solidariedade, a riqueza da diversidade e a força da participação. E quanta mudança ocorre por meio deles.
Se cada um separado quase daria para transformar o mundo, imagine todos eles juntos. O desafio de juntar igualdade com diversidade, de temperar com solidariedade conseguida pela participação. Essa é a questão da democracia, a simultaneidade na realização concreta dos cinco princípios, meta sempre irrealizável e ao mesmo tempo possível de se tentar a cada passo, em cada relação, em cada aspecto da vida. (...)
Cidadania e democracia se fundam em princípios éticos e, por isso, têm o infinito com seu limite. Não existe o limite para a solidariedade, a liberdade e a igualdade, participação e diversidade... A democracia é uma obra inesgotável.

*Betinho

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EU ACREDITO


Eu acredito profundamente na força dos verdadeiros encontros, acredito nas complementaridades das relações, no espírito de cooperação, na riqueza das trocas entre culturas, entre gerações e entre categorias sociais diferentes. Nessa perspectiva, acredito em todos os esforços que possam favorecer o diálogo, a partilha e a circulação de saberes. Os verdadeiros encontros humanos são como o cimento da construção da paz quando eles se tecem ao redor das questões fundamentais do respeito à vida, em toda a sua amplitude cósmica e tendo como horizonte a constituição de um legado de relações pacificadas para as gerações futuras. Ora, enquanto subsistirem no mundo as desigualdades e as injustiças que alimentam as rivalidades, os medos e a violência, não se pode falar de relações pacificadas. O que seria o terrorismo, hoje, senão um modo particularmente perverso de atacar os símbolos desse sistema opressor sem oferecer outra alternativa senão a morte e a destruição?
Hoje, os desafios são imensos e, mais do que nunca, torna-se urgente encontrar pistas viáveis. Essas pistas existem como filigranas, mas são pouco colocadas em evidência. Assim, mesmo que faixas significativas da população estejam em busca de sentido e de valores, o que circula, por força da publicidade e do reino do dinheiro, está conseguindo forjar uma cultura do "ter" em lugar da cultura do "ser". Mas, ao mesmo tempo e em muitos lugares, reconhecemos a existência de relacionamentos humanos respeitosos dos valores da vida e dignidade, de paridade e de responsabilidade. Testemunho disso são as inúmeras associações que defendem os direitos humanos, os direitos econômicos e sociais; as que lutam contra a tortura, as que trabalham por um desenvolvimento humano, movidas seja pela fé ou pelo sentido sagrado da vida.
Percebo, cada vez mais, a construção da paz por um caminho transversal que permite abordar todas as condições que tornem a paz possível e durável. De fato, para além de uma ausência de conflito armado, ou de violência mais ou menos cega, trata-se de estabelecer as regras de convivência entre os humanos e entre os humanos e o seu ambiente, de maneira a levar em conta todos os aspectos da vida e de sua valorização.
Sem dúvida, isso supõe um trabalho de cada um consigo mesmo, tanto quanto no interior dos coletivos atuantes, sobre as diferentes dimensões da vida em sociedade, sejam elas culturais, espirituais, sociais, econômicas, políticas ou psíquicas. Implica, portanto, comprometer-se desde agora e ousar construir projetos que considerem todas essas dimensões.
Nessa grande estrada, feita por todos, cada pedrinha cimentada é importante. Eu acredito.

Henryane de Chaponay
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Benito di Paula
Velho, Profissão Esperança

Que tal, a gente tentar
Sorrir e beijar seu rosto,
Abraçá-lo bem forte e dizer
Que bom a gente ter você.

Que tal a gente tentar
Contar-lhe uma piada,
fazer do dia-dia uma festa
Pra quem já cumpriu a jornada.

É hora de pedir desculpas,
Por isto ou por mais aquilo,
Mudar de vez pra azul
O cinza do asilo.

Dizer: meu velho
Eu nunca esqueci de você.
Eu sei que ele, sorrindo
Vai perdoar e chorar.

E ao receber um abraço
vai ficar encabulado.
Nós não devemos deixar, nunca mais
Um velho abandonado.
Nós não devemos deixar, nunca mais
Um velho abandonado

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O COTIDIANO E OS DIREITOS HUMANOS

O primeiro deles é o cotidiano. Em nossa proposta, a vida cotidiana é considerada como referência permanente da ação educativa. No cotidiano, construímos nossas vidas a nível pessoal e coletivo. Desenvolver uma contínua atenção ao cotidiano supõe desenvolver a capacidade de interrogar-se sobre o sentido dos acontecimentos que cada dia impactam, algumas vezes de modo dramático, nosso tecido vital e nossas consciências. Trata-se de uma exigência básica de qualquer proposta de educação em Direitos Humanos.
Para transformar a realidade é necessário trabalhar o cotidiano em toda a sua complexidade. É no tecido diário de relações, emoções, perguntas, socialização e produção de conhecimentos e construção de sentido que criamos e recriamos continuamente nossa existência.
Segundo Sime (91), uma proposta educativa que tenha como eixo central a vida continuada e quer recuperar o valor da vida em sentido radical tem de desenvolver de modo criativo três aspectos básicos.
O primeiro pode ser assim definido:
(...) deve ser uma pedagogia da indignação e não da resignação. Não queremos formar seres insensíveis  e sim seres capazes de se indignar, de se escandalizar diante de toda forma de violência, de humilhação. A atividade educativa deve ser um espaço onde expressamos e partilhamos esta indignação através de sentimentos de rebeldia pelo que está acontecendo”.
(...)
Indignar-se e rebelar-se não quer dizer estimular a confusão nem provocar a baderna. Trata-se de superar toda indiferença diante das violações dos Direitos Humanos, que se multiplicam em nossa sociedade e estão presentes também na escola. Supõe que sejamos conscientes de que estas violações não são fenômenos naturais e sim realidades, historicamente construídas, e que tenhamos a valentia de nos perguntar por suas causas e por nossa conivência, ativa ou passiva. Exige superar a tendência à insensibilidade, passividade e impotência que a multiplicação contínua das formas de violação dos Direitos Humanos termina por favorecer a nível pessoal e social.
“A educação em Direitos Humanos deve promover essa sensibilidade, essa capacidade de reagir pelo que acontece com os anônimos deste país, pelas vítimas sem nomes, nem sobrenomes famosos. Esta pedagogia da indignação deve estimular a uma denúncia enérgica e à solidariedade. Em outras palavras, queremos transformar nossa cólera em denúncia e não em silêncio. É necessário difundir, comunicar a outros o porquê de nossa raiva e dizer quem são os responsáveis das injustiças cometidas. Isto já é o início da solidariedade e deve continuar a se ampliar com outras ações criativas e reflexões críticas”.

Oficinas pedagógicas de direitos humanos, 1995
Autores: Vera Maria Candau, Susana Beatriz Sacavino, Martha Marandino, Maria de Fátima M. Barbosa, Andréa Gasparini Maciel.
Promoção do Projeto Novamérica
4º Edição
Editora Vozes Ltda.
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*REPRESENTAÇÕES SOCIAIS NA VELHICE

“Sem esquecer a heterogeneidade das vivências de velhice, o que nos impede de falar da velhice no singular, existem determinadas concepções sobre esta fase da vida que dizem respeito a ordens mais amplas. Numa sociedade em que o valor do ser humano é dado pela força de trabalho e pela inserção no mercado de trabalho, os velhos são percebidos como indivíduos sem valor. A esta desvalorização, alia-se uma série de categorias desabonadoras e mesmo estigmatizantes. A proximidade da morte, a doença e a solidão são, entre outros, itens que fazem da velhice um período da vida negativa.
Esta visão negativa da velhice apresenta-se, muitas vezes, com um aspecto disfarçado. A idéia de que a velhice não passe de um estado de espírito, de um sentimento particular em relação à idade nos traz sobre outro ângulo o mesmo sinal negativo. Negam-se, através de estratégias individuais de encobrimento, as condições próprias da idade. ”
A velhice é o caminho de todos nós.
(...)
 A vida vai passando e quando a gente vê já está velho. Prá mim, é uma coisa normal. O importante é ser feliz.
(...)
A vida da gente é assim mesmo, eu só acho ruim porque a gente quer trabalhar e não pode. O corpo não agüenta e fica todo dolorido.
(...)
 Sinto mal porque não posso trabalhar mais, ninguém dá serviço pra velho.
(...)
Velho é só o desgaste do corpo, a cabeça está sempre jovem.
(...)
É quando a pessoa não pode caminhar nem falar nada por si próprio.
(...)
A velhice é ruim porque a gente não pode aproveitar a vida direito. Fica doente toda hora, é muito ruim.
(...)
A velhice chega e a gente nem percebe. É ruim depender dos outros. Sei lá. Eu tenho medo do abandono.
(...)
O asilo servirá para outros que não têm com quem ficar (...). Tem muito coitado que precisa se encostar e se encosta lá.
(...)
Eu ia ajudar os outros e ter o que fazer. Gosto de trabalhar.
(...)
O centro seria bom para conversarmos, eu gosto de fazer amigos.
(...) 
A gente se vê sozinho e sente mal. Com o Centro, teríamos lugar para freqüentar e aprender coisas novas.
(...)
Precisa ter esse Centro, mas que vá gente nova para não separar os velhos.

* Myrian M. Lins de Barros & Roseli Elias. O perfil dos idosos do Município de Angra dos Reis. Nº 141. In cadernos do CEAS. Setembro/outubro 1992. Pág. 61 a 65.

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DIRETORIA REGIONAL DE EDUCAÇÃO – DIREC 7
CONJUNTO PENAL DE ITABUNA
TOPA – TODOS PELA ALFABETIZAÇÃO
SUPERVISOR NOEL COSTA




1.      OFÍCIO DA EQUIPE CENTRAL DO TOPA LIBERANDO A OFICINA E O INÍCIO DAS AULAS NO PRESÍDIO


Salvador, 04 de abril de 2011

À
SUPERVISÃO DO TOPA NA DIREC 07
Att.: Sr. Noel Costa

Venho através deste, autorizar o início das atividades de alfabetização da Quarta Etapa do Programa TOPA nas turmas localizadas na Unidade Prisional de Itabuna.
Informamos que os alfabetizadores cadastrados no SBA – Sistema Brasil Alfabetizado, vinculados à referida Unidade Prisional serão preparados, inicialmente, pela Supervisão do TOPA (Supervisor Noel Costa) e depois, em devido tempo, pela Unidade Formadora Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC.
Atenciosamente,

Conceição Costa
Coordenação Pedagógica do TOPA

2.      PROGRAMAÇÃO

OFICINA DO TOPA - NO CAMINHO DA LIBERDADE: INSTRUMENTOS TEÓRICOS E PRÁTICOS PARA ALFABETIZAÇÃO NA UNIDADE PRISIONAL
DE 6 A 8 DE ABRIL DE 2011
PROGRAMAÇÃO

QUARTA – FEIRA – 06/04
13h – Abertura
13h30min – TOPA: Justificativa, objetivos, princípios, metodologia,estrutura...
14h             – O sujeito da EJA
14h30min – Educação e trabalho como propostas políticas de execução penal

QUINTA-FEIRA – 07/04 
13h – 15h – Leitura e escrita na educação de adultos
15h- 17h – A importância do grupo e os jogos didáticos na EJA

SEXTA-FEIRA -08/04
13h – Instrumentos de acompanhamento
13h30min – Planejamento
16h - Navegação social/profissional do alfabetizador no ambiente do presídio
         Conduta ética do educador com os detentos   
17h - Encerramento


3.      DESENVOLVIMENTO DA OFICINA

A oficina iniciou com as pessoas se apresentando e falando sobre sua formação e experiência com educação de adultos.












Da esquerda para direita o trio sorriso, as professoras Valdinea, Roselena e Adriana. Professora Valdinea já ensina no presídio, da 1ª à 4ª série, pelo município; professora Roselena não tem experiência com EJA, ensina crianças; professora Adriana foi alfabetizadora do topa na III etapa e agora será coordenadora de turma, acompanhando o presídio.





Prof. Noel Costa, Especialista em Educação de Jovens e Adultos pela UESC e Supervisor do topa na direc 7, animador da oficina;   e  prof. Marta Costa,professora Marta tem formação em Biologia.








Professora Elinaide exibindo a sacola do topa.Não tem experiência com EJA, já ensinou crianças.





Essa moça sorridente de vermelho é Alba, estudante de Serviço Social; trabalha no presídio, coordenando os professores do estado.É parceira do topa lá no presídio. 






Perfil das alfabetizadoras

Nome das alfabetizadoras
Idade
Formação
Adriana Maria Souza Santos
41
Ensino Médio
Elinaide Silva dos Santos
53
Ensino Médio
Marta Santos Costa
39
Graduação
Roselena Oliveira Mendonça
48
Ensino Médio
Valdinea Silva dos Santos
41
Ensino Médio


A idade é um requisito importante na escolha das professoras. A direção do presídio dá preferência por pessoas com mais de 30 anos. Podemos observar que a mais nova aqui tem 39 anos.
Depois da apresentação dos participantes, as professoras falaram o que já sabiam sobre o topa. Em seguida, o professor Noel complementou as informações do grupo, com uma explanação, falando da preocupação do governador com a questão do analfabetismo na Bahia, pois foram identificados dois milhões de baianos que ainda não dominavam o código escrito quando ele assumiu o seu primeiro mandato no estado. Falou ainda sobre as metas, a organização, as parcerias e sobre a parte pedagógica do topa. Falou também dos subprogramas que existem dentro do topa para assegurar atendimento às pessoas com dificuldade visual; falou com muito entusiasmo de um dos momentos mais fortes do topa que foi o do encaminhamento dos alunos para o Estratégia Saúde em Movimento. O grupo ignorava muitas informações que foram ofertadas nesse momento.
O terceiro momento foi uma discussão sobre os sujeitos da educação. Quem é o nosso educando. O método foi dialógico. O professor Noel apresentou algumas teorias, pautado nas Ciências Humanas, na Psicanálise... Mas não de forma sistemática, mas por meio do diálogo, um “falar com e não para”, “cada um falando a sua palavra”. A conversa girou em torno de quem é o sujeito da educação,independente do lugar onde ele se encontre, girou em torno da humanização do ser humano. O outro mote da prosa foi como é que a sociedade, como é que nós operando com o senso comum olhamos para os chamados “marginais”, ”delinqüentes”, ”bandidos”, ”criminosos”. Esse foi um momento em que alfabetizadoras apresentaram suas representações e sentimentos.A mediação aqui foi no sentido de partir do sentimento para a compreensão deste.O Gramsci dizia que o povo sente,mas não pensa,é englobado pela situação,mas não compreende devidamente as relações causais,os sentidos globais e particulares que acercam determinados fenômenos.Foi um momento muito rico de trocas,porque três professoras já têm uma experiência de ensino no presídio,então elas puderam falar sobre o antes ( a priori) e um depois (a posteriori); puderam falar sobre o  que sentiam e sobre as representações que possuíam antes de ter contato com os detentos e o que sentem hoje.As duas que ainda não tiveram contato também expressaram seus sentimentos,mas de uma forma muito diferente,falando dos receios e ansiedades que as outras já superaram. Nesse processo, fomos confrontando os nossos sentimentos e representações com idéias de alguns estudiosos sobre o humano. Seguindo assim a dialética de partir da prática, refletir sobre ela, pra voltar a ela com a possibilidade de um fazer mais rigoroso, mais crítico, mais coerente. A metodologia foi claramente flagrada pelas participantes: “Foi uma formação diferente de muitas que já participei”. “O que mais mim chamou atenção foi a forma como foi passado a maneira de formular as atividades”. “Inicialmente esperei que viria algumas coisas voltadas somente ao aspecto pedagógico, mas é amplitude foi além.”. O professor Paulo Freire nos ensinou que “a melhor maneira de pensar, é pensando a prática, o vivido”. Na avaliação, as alfabetizadoras registraram que a experiência delas foi mexida por esse momento por essa oficina, tanto no que se refere aos sentimentos quanto ao jeito de ver e fazer as coisas: “Cheguei a várias conclusões positivas, e tive respostas para a minha angústia de querer ver resultados rapidamente”. Fizemos um estudo sobre a trajetória da Educação Prisional no Brasil,quando ficou claro que ainda estamos iniciando essa modalidade educativa,os seus princípios, métodos ainda estão sendo testados, em fase de experimentação, generalização, é a isso que esta alfabetizadora se refere. “Apesar de estar ensinando em uma colônia penal nem imaginava o quanto séria importante para mim.” Essa professora ensina da 1ª à 4ª série no presídio. Ela valorizou muito a discussão que fizemos sobre o sujeito da educação, porque os cursos que ele fez foram centrados no letramento, mas sem uma discussão, um aprofundamento sobre o sujeito da educação. Em nossos diálogos chegamos a conclusão de que apesar de estar dando aula num presídio,o sujeito que desejamos abarcar no processo de humanização do ser humano,não é o sujeito no sentido negativo, o criminoso;nem no sentido limitado,o detento.Mas o sujeito ontológico de que nos fala  Paulo Freire,o sujeito de possibilidades,o sujeito no seu ser mais. É o Outro grande na dialética com Outro pequeno (Lacan), é o outro que na construção de um projeto de si mesmo, apesar de ter “raízes espaço- temporais”, está para além de qualquer contingência ou objetivação. Entretanto, conversamos muito sobre a imprevisibilidade do comportamento humano, do inconsciente, das pulsões, da visão de ser humano pós Freud, do ser humano como ser do momento, daí os devidos cuidados que se deve ter com outro em qualquer circunstância. Foi um momento que gerou muita reflexão, segundo algumas, apenas esta parte já justificaria a vinda delas para oficina. A parte da metodologia da alfabetização também gerou um impacto positivo: “Não tinha experiência nenhuma com aprendizagem de adultos.” Essa professora já está ensinando no presídio, mas usando uma pedagogia, ela percebeu rapidamente que estávamos nessa oficina convidando-as a pensar a EJA com uma andragogia, diferente de pensar a educação dos adultos com referencial de crianças, a infantilização da EJA. Isso gerou compreensões muitos importantes, uma professora assim expressou-se sobre o momento: “Ao participar desse encontro de preparação de Oficina do Caminho da Liberdade, foi surpreendentemente gratificante”.


MEDIDAS DE SEGURANÇA E INSTRUCIONAIS


Para a segurança do pedagógico e melhor direcionamento da Unidade fica determinado:

1º) A Revista somente Mecânica

2º) Fica proibido:
a.       uso de acessórios: brincos, pulseiras, colares, anéis, óculos de sol
b.      uso de saias
c.       uso de calças de malhas
d.      uso de blusas decotas, transparentes e camisetas justas
e.       uso de cabelos longos soltos
f.       uso de celular
g.      uso de sapatos altos
h.      uso de pasta de tesouras, estiletes ou qualquer tipo de objeto cortante
i.        conversas isoladas com o aluno/detento
j.        dar ou receber presentes sem o conhecimento ou permissão da administração
k.      levar ou trazer correspondências do aluno/detento

3º) Fica permitido:
a.       uso de relógio (decisão tomada após a reunião)
b.      material escolar didático após revista na portaria
c.       pasta ou bolsa reservado exclusivamente para o uso do material escolar
d.      uso do guarda pó padronizado pela Unidade Escolar responsável pela escola
e.       lanches: frutas, biscoitos
f.       água mineral em vaso transparente e natural
g.      pen-driver

4º) A freqüência ficará no portão com o monitoramento da entrada e saída pelo funcionário da Unidade Prisional

5º) O aluno interno possuirá uma identificação

6º) Serão revistados os alunos detentos antes do início da aula e após o término

7º) O agente carcerário fica fixo na gaiola, fazendo o monitoramento da entrada e saída do aluno da sala de aula para o banheiro

4.      ENCAMINHAMENTOS



5.      AVALIAÇÃO

Escreva sobre sua participação na Oficina Caminho da Liberdade, falando sobre o que de sua experiência foi resgatado teoricamente, ajudando você a compreender melhor os aspectos da sua prática; sobre questões que aparecem no seu dia-a-dia, mas que você ainda não havia refletido criticamente sobre isso; sobre novas idéias que lhe chamarão atenção; sobre pontos que você sugere aprofundamento em novos encontros; sobre dúvidas que persistem ou que surgiram durante o encontro, mas não foram devidamente respondidas no coletivo. Enfim, fale o que passar na sua cabeça, no momento, sobre o encontro.


“Foi muito importante a minha participação neste mini curso.
Não tinha experiência nenhuma com aprendizagem de adultos.
Durante três dias vivenciei na teoria o que eu poço fazer na pratica, apesar de estar ensinando em uma colônia penal nem imaginava o quanto séria importante para mim.
Vário assuntos foi questionado durante o curso inclusive questões religiosas e comportamentais.
Duvidas que eu tinha foram devidamente respondidas.
Séria muito bom que tivéssemos encontro como esse para possamos desempenhar um bom trabalho em sala de aula.”

Nome da cursista:Valdinéia Silva dos Santos




 “Foi uma formação diferente de muitas que já participei. Teve uma parte longa e cansativa já que o texto era longo.
O que mais mim chamou atenção foi a forma como foi passado a maneira de formular as atividades, de forma clara e objetiva, com isso servindo até pra meus métodos na Oficina de Letramento no Projeto Mais Educação.
Espero que as próxima sejam melhor ainda e que mim ajude sempre.”

Nome da cursista: Roselena Oliveira Mendonça dos Santos



“Participar da oficina pra mim, foi gratificante, aprendi coisas novas. Foi uma sujestão  maravilhosa, muitas coisas que foram ditas estudadas foi uma oportunidade para refletir e seguir em frente.
Chamou muito minha atenção.
Noel foi muito atencioso conosco.”

Nome da cursista: Elinaide Silva dos Santos


                 
“Apesar de já ter participado do processo de capacitação da 3º etapa do projeto, onde adquirir a informações devidas para a atuação como alfabetizadora pelos respectivos formadores. Não descartarei e não deixarei de dizer que foi de grande valia essa Oficina desenvolvida pelo supervisor Noel. Inicialmente esperei que viria algumas coisas voltadas somente ao aspecto pedagógico, mas é amplitude foi alem e o professor Noel entrou em áreas bastante particulares que não poderíamos deixar de ver aspectos como alfabetização em Conj. Penal, estrutura do TOPA, expressões, moral, ética, variação lingüística, socialização, método de alfabetização.
            O supervisor em momentos foi advogado, sociólogo, psicólogo, sexólogo, etc. Enfim, foi bastante proveitosa a Oficina.”

Nome da cursista: Adriana Maria Souza Santos



“Itabuna, 08/04/2011.

Ao participar desse encontro de preparação de Oficina do Caminho da Liberdade, foi surpreendentemente gratificante. Discutimos vários temas e cheguei a várias conclusões positivas, e tive respostas para a minha angústia de querer ver resultados rapidamente..
A construção do indivíduo só é possível quando sentimos a necessidade de construir algo novo ou modificar o que está posto de formar, que na nos agrada ou que prejudique o coletivo.
A reconstrução de quem se perdeu no meio do caminho, só será possível quando a sociedade entender que é preciso caminhar juntos e acreditar no amor fraterno e que a solidariedade, o cuidar do outro, a disponibilidade, sejam parceiros inseparáveis.

EDUCAÇÃO, LIBERDADE, FÉ, PERSISTÊNCIA E PERSEVERANÇA.”

“VIVER E NÃO TER A VERGONHA DE SER FELIZ...” (Gonzaguinha)

Nome da cursista: Alba Regina

 1. Anexo
 2. Anexo

 3. Anexo




4. Anexo
5. Anexo


6. Anexo


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Festejos Juninos na escola

Autoria: Noel Costa





Geralmente as festas na escola não me agradam. O costume cultural não é vivido de forma natural, mas, normalmente, estereotipado, caricaturado, disciplinado, estilizado; perde assim a força, a magia, a espontaneidade, a beleza que são marcas dos festejos populares.
Mas na semana passada tive uma bela surpresa ao ser convidado para o São João da Escola Paulo Américo, em Coaraci. Tiveali a oportunidade de viver o São João na sua forma genuína.
Já no caminho encontrei um elemento importantíssimo dos festejos nas comunidades: a dádiva. De todas as ruas do bairro, em direção à escola, saíam crianças, jovens, adultos com alguma oferta, um presente para festa: canjica, licor, arroz doce, mugunzá, bolos... É um sistema de troca muito antigo, vem de nossa ancestralidade, um elo comercial pré – capitalista, um rito de solidariedade fundamentado na consideração, na estima pelo outro, realizado na troca. Esse costume foi encontrado em comunidades primitivas que acreditam que “as coisas têm alma, espírito, quando são dadas elas transportam propriedades das pessoas que as deu’, logo, quando dou um presente, estou me dando. É um costume ainda presente em muitas comunidades rurais no Brasil; quando numa semana um compadre mata um porco, esquarteja e sai espalhando gratuitamente pela vizinhança; às vezes, nessa mesma semana, ele recebe do vizinho meio saco de farinha, também gratuitamente, vindo de uma fornalha ainda quentinha. É um jogo solidário de receber e retribuir, é a preservação de um costume que está aí para nos advertir de que é possível existir um comércio que não seja baseado na exploração, na trapaça, no roubo, mas na reciprocidade. É o currículo oculto operando; sem saber, os alunos da professora Carminha ( como é carinhosamente tratada a diretora) estão vivenciando um valor importantíssimos que vem dos nossos ancestrais.
Entrando na escola, ainda no pátio, outra grata surpresa. Lá em cima estão elas, bailando com o vento, muito mais bonitas do que as de Volpi, as bandeirinhas. Elas demarcam o território com o colorido dizendo que o ambiente hoje é de festa, anunciam que o clima ali hoje não é formal,expulsou   a estampa lisa da ambiência, dos uniformes dos alunos e professores para darem  lugar ao multicor, sinônimo de alegria. O prumo das linhas e a simetria do corte afirmam que foram mãos dedicadas e carinhosas que lhes confeccionaram; pela extensão da área enfeitada percebe-se o rastro da cooperação no serviço. A posição de cada reta enfeitada com as bandeirinhas ajudam a desenhar uma pirâmide mágica sobre a cabeça dos brincantes. O povo gosta de coisa bonita! Quem gosta de coisa feia são os intelectuais afirmam o perfeccionista Dalí e o nosso querido Joãozinho Trinta. A estética  manda um recado ao inconsciente da juventude: é possível construir um mundo social como o mundo da Arte, onde reinem a beleza e a harmonia; manda ainda outro recado muito importante: o êxtase da Arte é mil vezes melhor que o êxtase das drogas, como bem nos ensina  Baudelaire nos seu Paraísos Artificiais.
No pátio central da escola, encontramos o arraial, o coração da festa. Em volta do pátio organizaram barraquinhas, cada uma com suas comidas juninas e um licorzinho para alegrar o espírito. No centro, as pessoas dançavam com muita espontaneidade embaladas pelo forró, tocado por um virtuose em um teclado programado para imitar a sanfona. Só forró, xaxado e baião. Os secretários de cultura que contratam tocadores de axé, arrocha e outras músicas alheias à tradição das festas juninas deveriam ver os alunos e alunas do Paulo Américo dançando. Eles costumam argumentar que contratam cantores ou bandas porque os jovens de hoje não gostam de músicas antigas, uma grande mentira! Aliás, muitos disseram que a música junina seria enterrada junto com Gonzaga, se enganaram. O mestre deixou discípulos porretas: Dominguinhos, Santana, e essa preciosidade que é o paraibano Flávio José; e tantos outros que se multiplicam por aí; hoje se fala até em Forró universitário (sic) ! Chico Buarque diz que “assim como nem toda loucura é nova; nem toda lucidez é velha. Em arte não existe o novo ou o velho, existe a obra; se for realmente boa, será sempre apreciada. Os doze profetas do Aleijadinho e Asa branca estão aí para provar isso. Aristóteles dizia que todo ser humano estremece perante o belo, não importa se é velho ou novo.
Notei algo muito importante ali, no Paulo Américo,a festa vivida como verdadeira festa popular, não como representação, como simulacro.Todos sabem que o São João tem origem na festa pagã do solstício de verão que era celebrada em 24 de junho e foi cristianizada na Idade Média como Festa de São João. Existe,portanto, um sincretismo no São João; mas devemos lembrar que fora da Igreja, a festa é pagã ,e a marca da festa pagã é o êxtase, o excesso. O cotidiano costuma ser repetitivo, monótono, disciplinado, ordenado. A festa é o contrário disso: “a festa é vivida como sociação e delírio coletivo”. No cotidiano, a gente vive controlando o tempo, tem relógio; “a festa é a suspensão do tempo,o esquecimento”. Por outro lado, o professor Roberto DaMatta divide as festas em dois tipos: a festa da ordem e a festa do povo. A festa do povo, como é o caso do São João, junta e iguala; a festa da ordem (cívicas, governamentais) mantêm as diferenças. Esses aspectos sublinhados aqui sobre as festas populares devem ser bem compreendidos pelo corpo docente e pela direção de uma escola que se quer democrática, no momento da organização de uma festa na escola.    
Já fui em festas em  escolas onde, mesmo dizendo que são festa populares, encontramos lá uma estrutura hierarquizada: lugar dos visitantes, lugar dos alunos, lugar dos professores, lugar da direção; lugar onde serão servidos os comes e bebes do diretor e seus convidados; lugar onde servirão aos professores; e lugar onde os alunos serão servidos; reforçando assim as diferentes posições sociais, “festa da ordem” com nome de festa popular. Além disso, sentimos que os alunos, quase sempre, não ficam à vontade, não se permitem fazer o que realmente se faz numa festa, com medo da censura do diretor ou dos professores, não se desligam, não se soltam, não alcançam a embriaguez estética que toda verdadeira festa deve permitir.
Foi isto de que gostei no Paulo Américo, todos muito espontâneos (alunos, diretora, coordenadora, professores) no “delírio coletivo” de sua festa. Também fiquei feliz porque vi lá uma verdadeira festa popular. A escola cedeu o lugar de instituição escolar ao lugar comunitário, ao lugar de centro de cultura; deixou de ser propriedade do Estado,para ser propriedade do povo. Vi todos servindo e sendo servidos, num exercício bonito de generosidade e reciprocidade, coisas que não se aprende nos livros, mas na relação face a face com o outro. É nesse sentido que a festa na escola é pedagógica, ela ajuda a criar visão de mundo e a desenvolver ou afirmar valores de forma tácita. Não precisa discursos moralizantes nas festas, deve se deixar que a magia do vivido fale por si mesma. Um elemento bacana da festa é que ela “purifica” e “renova”. As coisas chatas que povoam nossa mente dão lugar ao riso,ao prazer de estar junto,ao esquecimento das coisas mesquinhas que ainda cultivamos, ao êxtase, por que somos jogados para fora do cotidiano e de nós mesmos; e depois prosseguimos com nossas energias revigoradas com a lembrança da última festa à espera de outra. Sou grato ao que a Escola Paulo Américo me proporcionou a essa doce lembrança que agora brinca em minha memória.

* Noel Costa é Licenciado em Filosofia,Especialista em Educação de Jovens e Adultos pela UESC. É professor concursado da Rede Estadual de Educação da Bahia. No momento, é técnico da Direc- 7 e Supervisor Regional do Programa TOPA.


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DESAFIOS DO TOPA – 2011


* Noel Costa
          




“È mais fácil mudar a direção de
um corpo em movimento, que
tirar um corpo da inércia.






Nos dias 03 e 04 de maio, ocorreu em Salvador um encontro onde se reuniram líderes de entidades e dirigentes estaduais do programa Topa – todos pela alfabetização. Nesse encontro, foi anunciado o prosseguimento do programa para além da etapa atual. Diante dessa expectativa, vale a pena dar uma olhada como vai o programa e em que é preciso melhorá-lo. Isso numa perspectiva diferente da postura de uma professora que dizia pros seus alunos: “Escreva pouco meus filhos, porque quanto menos vocêsescreverem, menos vocês erram”. Acredito que é possível fazer sempre mais e melhor, corrigindo os erros; por isso, apresento a seguir algumas sugestões que talvez sejam muito mais desiderativas do que exeqüíveis; entretanto, mesmo correndo o risco de ser taxado de maluco, de sonhador, resolvi divulgá-las, motivado pelo conselho de dois grandes mestres: “É preciso dizer a sua palavra” (Paulo Freire); “É necessário sempre tentar o impossível, já que o possível de todo jeito acontecerá” (Betinho). Penso que a discussão sobre números já está esgotada no programa; agora é hora da virada qualitativa. Segue então algumas sugestões e esclarecimentos.   
1. Aumentar a carga horária letiva. Este é um problema de baseEm relação ao que já se fazia no Brasil em Alfabetização de adultos, a organização de um programa de alfabetização em seis ou oito meses representou e ainda representa retrocesso na História da EJA. Desde o início dos anos 90, as administrações populares e os MOVAS já vêm experimentando um ano para alfabetização e (em alguns lugares) mais um ano para uma pós- alfabetização. Muitos dos problemas que existentes no Topa tem origem nesta orientação de base. Acredito que o Topa deveria funcionar com 10 ou 12 meses, isso ajudaria a ajustar o calendário do programa às aulas das redes de ensino, a ter mais tempo para resolver os problemas e é claro mais tempo para o ensino-aprendizagem. A Bahia poderia sair na frente dentro do Brasil Alfabetizado experimentando a temporalidade letiva de 10 ou 12 meses.
2. Ampliar a participação da sociedade e criar mecanismos de controle social. O programa tem contado com dois parceiros fundamentais: prefeituras e entidades que representam a sociedade civil organizada. Só foi possível mobilizar o número de pessoas que fora mobilizado graças à colaboração deles. São imprescindíveis na mobilização dos alunos e no recrutamento dos coordenadores e bolsistas. Mas precisa - se, para o bom andamento do processo, trazer de forma institucionalizada para o programa, também parceiros que contribuam no Controle Social. Me refiro às Câmaras de Vereadores, À Justiça, CDL, Associações de Moradores ... formando comitês/ comissões (ou qualquer outro nome) de avaliação e fiscalização. É preciso envolver a sociedade nesse aspecto. Isso funcionará como uma Educação Comunitária que redundará em maior qualidade para o programa e maior cidadania nos municípios. A Secretaria Estadual de Educação (SEC) sozinha nunca terá pernas para fiscalizar e avaliar devidamente o que ocorre nos municípios. Também não é bom para a democracia que se multiplique “Os olhos e o ouvido do Rei” em número infinito de “fiscais” perambulando por aí; antes, é necessário fortalecer a democracia, valorizando, incentivando o Poder LocalO Controle Social. Penso que o Estado tem o dever de por meio das Políticas Públicas além de gerar produtos (no caso do topa o Letramento), gerar também processos que desenvolvam ou fortaleçam os valores democráticos (ampla participação, colaboração, cuidado com a coisa pública...).
3. Democratizar a formação dos educadores. Para formar os alfabetizadores e coordenadores, o topa tem contado exclusivamente com as universidades (públicas e privadas). A Bahia tem um número grande de educadores que foram formados por Organizações Não Governamentais, com muitos anos de Experiência em Educação Popular, é o caso do CECUP- Salvador; MOC – Feira de Santana; AJA – Teixeira de Freitas; CAPOREC – Itabuna/Ilhéus... A lista não é pequena. Esse povo com Experiênciaem Educação Popular trabalhou com muita dificuldade nos tempos autoritários, por que não é chamado hoje para também fazer a formação dos educadores do Topa?  O saber que ajudou a despertar tantas consciências nos tempos autoritários não seria um “saber competente” hoje? Como diz Marilena Chauí: 

 “O discurso competente é o discurso instituído. É aquele no qual a linguagem sofre uma restrição que poderia ser assim resumida: não é qualquer um que pode dizer a qualquer outro qualquer coisa em qualquer lugar e em qualquer circunstância.” Penso que aumentaria a riqueza da formação dos educadores do Topa se o saber dessas entidades também fosse aproveitado, não sofresse uma “restrição”, como diz Marilena, em detrimento das universidades. Estas, por sua vez, continuarão sendo as parceiras naturais, mas também sairão enriquecidas com o intercâmbio de saberes.

4. Considerar na formação dos educadores a diversidade dos/ educandos. A palavraadulto se refere apenas à faixa etária na qual o indivíduo se encontra, não abarca a complexidade sócio- cultural – psicológica do sujeito da educação. O Topa alfabetiza detentos, donas de casa, trabalhadores rurais, pescadores... Certamente essa diversidade deve ser considerada na formação, mas percebe-se que a formação dos educadores ainda se encontra muito centrada na faixa etária: o jovemo adulto, de forma generalizada, abstrata. Quem é esse jovem? Quem é esse adulto? Como nos ensina o professor Miguel Arroyo“A EJA nomeia os jovens e adultos pela sua realidade social: oprimidos, pobres, sem terra, sem teto, sem horizontes. (...). Pode ser um retrocesso encobrir essa realidade brutal sob nomes mais nossos: repetentes, defasados, aceleráveis, analfabetos...”. Como muitos formadores não são pessoas que têm engajamento no Movimento Social, para dar um tratamento mais contextualizado a “essa realidade social” de que nos fala Arroyo, é necessário trazer para formação pessoas que tenham atuação no movimento social para ajudar o pedagogo no tratamento dessa questão. ”O intelectual pensa, mas não pensa sente”, nos adverte Gramsci, então é necessária essa dupla para juntos trabalharem melhor a sensibilidade X pensamento na direção de uma  compreensão mais rica,abrangente, mais concreta da realidade.
5. Ser Diligente na entrega dos recursos pedagógicos. O programa já está no seu quinto ano, mas ainda não conseguiu organizar uma estratégia para que o material didático e da merenda cheguem no início das aulas, continua chegando com muito atraso, resultado: descrédito de um lado; desmotivação do outro. Penso que a compra do material deveria ser descentralizada. Isso geraria uma economia muito grande pro governo com transporte. Imagine quanto se gasta com caminhão saindo de Salvador para entregar material nos diversos cantos da Bahia? A SEC também não ficaria dependente das empresas que trabalham com grandes quantitativos, negociando e ajudando assim também as médias e pequenas empresas em toda a Bahia; o Estado praticando uma espécie de economia solidária onde os recursos financeiros fossem repartidos com mais gente e regiões. E o mais importante: o material chegando em tempo hábil. Afinal, a maior reclamação dos líderes de entidade na Escuta Aberta foi sobre isso, principalmente, sobre a questão da merenda.
6. Assegurar a intervenção pedagógica no devido tempo. Os alfabetizadores que são recrutados para o topa não são professores experientes, muitos nem magistério fizeram; logo, precisam de um acompanhamento estreito, diretivo, permanente por parte das unidades formadoras, não é isso que vem ocorrendo. Nunca se conseguiu aplicar o teste cognitivo inicial como recomenda a resolução que disciplina o programa; as visitas das pedagogas aos alfabetizadores são com um intervalo muito largo,dessa forma, suas intervenções pedagógicas acabam não repercutindo na prática do alfabetizador (a). A Formação em Serviço ou Permanente tem que ocorrer,tem que ser assegurada; caso contrário, o espontaneísmo e o improviso guiarão a prática.
7. Assegurar a existência de congressos pedagógicos, estaduais e regionais. As questões relativas à gestão sufocaram o pedagógico no programa. Já foram realizados dois ou três encontros amplos envolvendo SEC/Universidades/Entidades para discutir a gestão; mas o programa entrou em seu quinto ano sem nunca fazer um encontro amplo, envolvendo alfabetizadores, coordenadores, formadores, supervisores, especialistas, SEC para discutirem coletivamente: O que os alfabetizadores estão ensinando? Como estão ensinando? Os alunos estão aprendendo? Por que não estão aprendendo? Em que os coordenadores estão contribuindo com os alfabetizadores? Em que os agentes das unidades formadoras estão contribuindo com os alfabetizadores? A quem os alfabetizadores recorrem com as suas dúvidas cotidianas sobre a prática pedagógica? Os educadores estão próximos ou distantes dos referenciais teóricos fincados na Proposta Pedagógica do TOPA? Quem/quantos conhecem a Proposta Pedagógica do TOPA? Existe uma elaboração própria do topa ou a proposta do topa é do o Brasil Alfabetizado? A Unidade Formadora faz a formação baseada na Proposta Pedagógica do TOPA ou é cada um por si e Deus por todos? Quais são os elementos que dão unidade a ação alfabetizadora do topa? O que diferencia pedagogicamente o topa de outros programas já implementados na Bahia? A formação tem dado conta de capacitar também os intérpretes de libras?  Penso que não é possível mais um ano de atividade sem o programa discutir coletivamente essas questões.
8. Biblioteca do topa. Na perspectiva do letramento, é preciso considerar também o alfabetizador como alfabetizando, como o alguém no caminho da cultura letrada. Os alfabetizadores não têm o “hábito” da leitura, muito menos ainda o exercício de escrita. Logo, precisam ser incentivados a ler. Já que o Topa/Brasil Alfabetizado é um programa do MEC, e o MEC tem muitos livros destinados à educadores,  deveria- se reivindicar livros também para os alfabetizadores, esse material ficaria como incentivo individual, mas também como  um Patrimônio Comunitário. Ainda sobre a formação do alfabetizador, seria importante firmar convênios com as faculdades para os alfabetizadores que ainda não fizeram um curso superior tivessem a oportunidade de fazê-lo.
9. Integrar setores governamentais na execução do programa. Muitos municípios hoje têm o Programa de Aquisição de Alimentos – PAA. Se conseguissem integrar a política do TOPA à do PAA, ambas sairiam ganhando e resolveria boa parte dos problemas que o topa tem enfrentado para adquirir merenda pros alfabetizandos.
10. Assegurar meios para a continuidade dos estudos dos seus egressos. Este é sem dúvidas o ponto mais crítico do Topa. Os especialistas da UNESCO afirmam que “no contexto da América Latina o processo de alfabetização só se consolida de fato para quem completou a 4ª série”. Então, se o indivíduo passou pelo Topa, mas não deu continuidade aos seus estudos, existem fortes possibilidades de haver “regressão na aprendizagem”, isto é, o esquecimento dos rudimentos da escrita, da leitura... Se gasta então energia, tempo, dinheiro para produzir analfabetos funcionais. A resposta a esse problema não pode ser voluntarista, cada um resolver do jeito que puder. A SEC tem que encontrar, conjuntamente com as Secretarias Municipais de Educação, uma forma de encaminhar esse problema; isso deve ser objeto já do convênio que os municípios assinam no momento de adesão ao programa.
11. Registrar, Sistematizar e divulgar a experiência. A SEC precisa construir essa linha de ação no Topa. Além de construir a Memória do Programa, serve como instrumento pedagógico e elemento de motivação para todos os envolvidos no processo.


* Educador Popular – Especialista em Educação de Jovens e Adultos- EJA / UESC,  
Sócio-Fundador do CAPOREC         

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O TOPA NO 7 DE SETEMBRO